Muito trabalho e pouco sono, a mistura Mortal
A vida nos traz experiência, mas só adquirimos experiência
se sobrevivermos às situações enfrentadas.
Não dormir, ficar em vigília por mais de 24 horas seguidas,
é uma situação de alto risco para a saúde do ser humano. Dormir faz parte de
viver bem.
O mundo moderno, tão cheio de comunicação e diversão online
está mudando este conceito, o que terá grande e nocivo impacto na saúde de quem
segue este procedimento autodestrutivo.
Falei em experiência, pois vivi esta situação em 2014,
quando trabalhei durante cerca de dois anos seguidos em dois empregos, um
diário e outro noturno, além das atividades normais de pai de família e
blogueiro.
Após algumas semanas trabalhando muito e dormindo
pouquíssimo, minha pressão arterial descontrolou-se, subiu. Eu não tinha tempo para ir ao médico, então
fui teimando, fui continuando com a rotina de entrar num serviço noturno às
22h, onde trabalhava até as 06h. Dali eu saía e me dirigia para outro emprego,
onde iniciava entre 07 e 07:30h, cumprindo horário até as 14 h. Então eu tinha o período de folga até as 22 h,
mas como morava num bairro afastado do serviço, por atraso no circular (ônibus,
lotação), gastava cerca de uma hora para chegar em casa, ou mais. Em casa,
rever os filhos, conversar um pouquinho, ligar o pc para por em dia o site/blog
jesuscristoeternomestre, fazer alguma postagem... De repente minha esposa já
chegava do serviço, eram cerca de 18h.
Muitas vezes eu mal cochilava alguns minutos e já ia para o
banho para “despertar” e me preparar para sair novamente para tomar a condução
e ir para o serviço noturno. Como o serviço noturno se estendia aos fins de
semana, eu já emendava de segunda a domingo. (Logicamente, temos que acrescentar as atividades na igreja onde congregava, como diácono e depois como presbítero).
Na verdade, havia um período de descanso de 03:15 às 05:00,
nas madrugadas, e este era o período em que eu dormia um pouco.
Esta rotina durou cerca de 24 meses, quando eu fui
dispensado do serviço noturno, e quando eu já estava me sentindo com a saúde
abalada, sofrendo alguns ataques de vertigem, onde o mundo começava a girar ao
meu redor e já não conseguia me manter de pé sem escorar em alguma coisa. Mas era coisa breve, passava e não era
constante.
Então, eu fiquei trabalhando apenas durante o dia, de 07 às
14 h, como técnico de informática, no mesmo serviço. Mesmo assim, minha saúde
foi piorando e cheguei a ficar em casa, sem condição de ir ao emprego, por
causa da tontura e das vertigens, durante duas semanas seguidas.
Os médicos consultados apenas disseram que minha pressão
sanguínea estava descontrolada, e me foi receitado um medicamento leve, para
controlar a pressão.
O problema, é que desde que eu saí do serviço noturno, mesmo
não estando trabalhando, eu não tinha sono. Não dormia mais que algumas poucas
horas por dia (2 ou 3).
A pressão sanguínea normalizou, as vertigens pararam, as
tonturas sumiram, mas eu dormia muito pouco, um sono que me deixava mais
cansado ao acordar.
Esta situação se arrastou por mais de um ano e, ainda hoje,
meu sono não normalizou. Eu durmo, mas o sono demora a vir.
Não fosse a misericórdia de Jesus Cristo, meu salvador,
creio que teria sido ainda bem pior.
Não dormir faz muito mal para a saúde e as sequelas que
ficam demoram muito para serem eliminadas, é um processo bem lento o de colocar
nosso relógio interno em ordem, depois que o detonamos.
Deve-se valorizar o período reservado para o sono, deve ser
algo sagrado e indispensável.
Abaixo, uma reportagem sobre o assunto:
Muito trabalho e pouco sono, a mistura explosiva
Casos de privação do sono chegam cada vez mais aos
consultórios. O tema é desvalorizado, dizem os especialistas. Há quem proponha
que o trabalho e as aulas tenham início mais tarde. Um livro que acaba de ser
publicado em Portugal apela à “revolução” e sugere salas de sesta nos empregos.
Em 2007, Arianna Huffington, co-fundadora do site de
notícias The Huffington Post, teve um colapso por falta de sono. O seu
dia-a-dia, na altura, era passado como se o dia tivesse mais de 24 horas. “O
trabalho era muito mais importante do que dormir”, escreve no seu livro A
Revolução do Sono, que acaba de ser publicado em português pela Matéria-Prima.
“É evidente que sou indispensável, portanto tenho de trabalhar a noite toda
(...). Esta forma de trabalhar e de viver parecia servir-me bem, até deixar de
o fazer”, conta.
O “momento eureka” que se seguiu depois serviu-lhe para
escrever dois livros. Fundou uma plataforma sobre bem-estar, a Thrive Global, e
hoje luta por um mundo que passe mais tempo a dormir. É um combate que existe,
porque, diz, a nossa relação com o sono “está em crise”.
Com a apologia de uma revolução, como o título indica, o
livro aborda como as contradições do nosso tempo se relacionam com a falta de
sono: hoje temos mais informação do que nunca sobre o sono, devido às evoluções
tecnológicas, mas são os aparelhos que prolongam o nosso dia de trabalho e não
nos deixam desligar... nem dormir; a indústria do bem-estar prolifera, mas
passamos noites em que dormimos quase nada.
Cerca de 20% dos portugueses têm dificuldade em adormecer,
diz um estudo da Associação Portuguesa do Sono. Mais de 60% têm problemas de
sono, mostra um inquérito de 2016 da Deco
“Evangelista do sono”, como se chama a si própria, Arianna
Huffington, 66 anos, tira o pulso às consequências da falta de descanso do
cérebro e explica, citando várias pesquisas, por que razão é um erro vivermos
“na ilusão de que conseguimos fazer o nosso trabalho tão bem com quatro ou
cinco horas de sono como com sete ou oito”. A privação de sono torna-nos mais
vulneráveis a doenças e, acrescenta, a incidência de morte por qualquer causa sobe
em 15%, quando dormimos cinco ou menos horas por noite.
Por isso, quando os funcionários de uma empresa estão
cansados, “seria melhor para o negócio” eles chegarem mais tarde para ficarem a
dormir, em vez de faltarem por razões de saúde uns dias depois. Ou então,
prossegue ainda, devia haver um local no emprego onde pudessem fazer sestas —
um “remédio de 30 minutos” que pode inverter “o impacto hormonal de uma noite
mal dormida”. Os escritórios do The Huffington Post têm salas de sesta.
Arianna Huffington defende também que as empresas deveriam
introduzir mais flexibilidade e controlo dos horários de trabalho, de modo a
que os seus funcionários tivessem mais tempo para dormir. E que deviam estar
mais disponíveis para que quem quer trabalhar em casa o possa fazer, ganhando
tempo nas deslocações.
As 40 horas semanais de trabalho implicam que, por dia, se
trabalhe oito horas, se durma oito horas e se passe as outras oito horas em
lazer. “Quando as pessoas mudam o paradigma do ‘oito vezes três’ estão,
forçosamente, a reduzir o tempo de sono e de descanso”
MARIANA SOARES
A regra “três vezes 8h”
A questão é que quando se olha para os exemplos vindos dos
lugares de topo não falta quem se vanglorie do pouco que dorme e do muito que
trabalha, comenta a autora sobre a realidade americana. Em Portugal são famosas
as quatro horas de sono do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Os
especialistas usam um termo para quem dorme pouco, como o Presidente: “short
sleeper”.
Cerca de 20% dos portugueses têm dificuldade em adormecer,
diz um estudo da Associação Portuguesa do Sono (APS). Mais de 60% têm problemas
de sono, mostra um inquérito de 2016 da Deco, feito a mais de 1100 pessoas — e
uma em cada quatro tinha tomado fármacos para a ajudar a adormecer. Joaquim
Moita, pneumologista e presidente da APS, diz que os portugueses dormem mal por
uma questão cultural. “O sono tende a ser desvalorizado socialmente. Há pessoas
que voluntariamente dormem pouco, acham um desperdício de tempo dormir.”
Misturamos dois hábitos terríveis: começar o trabalho — e as
aulas, nas escolas — muito cedo com a prática de atrasar o fim do dia laboral,
o jantar e a ida para a cama. E até o início das actividades recreativas, como
beber um copo, são arrastadas para de madrugada. Tudo isto “resulta num número
de horas de sono reduzido”. O que acontece tanto com adultos, como com crianças
— muitas começam a acordar às seis da manhã e depois nem sesta fazem na escola.
Esta devia ser obrigatória até aos 6 anos, defende o especialista.
Sempre dormi bem e tive a capacidade de desligar. Agora não.
E tenho mais dores de cabeça, mais dores de estômago, deixei de comer algumas
coisas, porque não me caíam bem
Maria Almeida
Teresa Paiva, precursora na área e fundadora de um centro do
sono onde trabalham entre 20 a 30 pessoas, anda a alertar há mais de dez anos
para a má relação dos portugueses com o sono. A neurologista, que já tratou de
mais de cinco mil casos no consultório, e de outros 10 mil em hospitais, fala
da “mania” portuguesa de “que trabalhar muito é bom e produtivo”. Lembra as
estatísticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, que
atestam que Portugal é um dos países com mais horas de trabalho, sem que isso
se traduza em produtividade (aparece em 9.º lugar, em 1.º está o México e em
último a Alemanha). “Nos países do Norte as pessoas saem do trabalho às 17h,
aqui é pecado sair antes das 20h.”
No consultório, quando lhe dizem “não tenho horário”, já
sabe o que isso significa: trabalho a mais. As 40 horas semanais de trabalho
implicam que, por dia, se trabalhe oito horas, se durma oito horas e se passe
as outras oito horas em lazer. “Quando as pessoas mudam o paradigma do ‘oito
vezes três’ estão, forçosamente, a reduzir o tempo de sono e de descanso”,
afirma. “Os portugueses tendem a trabalhar de forma desorganizada, com interrupções.
A ideia de fazer multitasking é disparatada: a energia que o cérebro dispende é
muito maior do que se fizer uma tarefa depois da outra.”
Um estudo que Teresa Paiva fez com outra especialista em
sono, Marta Gonçalves, indica que, em média, os portugueses dormem sete horas
por dia, mas que esta média varia entre duas e 11 horas, ou seja, há muita
gente a dormir menos de cinco. Isto significa um aumento de riscos: do
colesterol, de diabetes, de doenças auto-imunes, de acidente, de cancro, de
depressão, de insónia (e de um dia de baixa em breve).
Bancários, funcionários de multinacionais e de grandes
empresas de advogados, jornalistas, profissionais dos media são das profissões
em que há mais privação de sono, diz.
Dormir menos de cinco horas é claramente insuficiente,
defende também Joaquim Moita. Aliás, todos os especialistas contactados dizem
que menos do que sete em adultos não é recomendável. Os efeitos da sonolência
podem manifestar-se de múltiplas formas, acrescenta: défice de memória, dificuldade
de raciocínio, ataques de sono (que acontece muito nos condutores).
Autora de um estudo sobre os efeitos da privação do sono nos
médicos, Inês Sanches defende que a privação crónica do sono deveria ser
encarada como uma doença — justamente por causa dos efeitos, como a ansiedade e
depressão. Com os seus doentes fala normalmente da necessidade de dormir, tenta
convencê-los a cumprir as horas de sono mínimas. “Ao não dormir parece que vou
estar a poupar tempo para trabalhar, mas no fundo vou ser menos rentável.”
Joaquim Moita, presidente da Associação Portuguesa do Sono,
sugere que as aulas tenham início às 9h30 no ensino básico e às 9h nas
universidades
Quanto ao número de horas de repouso que recomenda, varia.
Há quem precise de oito, há quem precise de um pouco mais ou menos. São as
pessoas que têm de ter a noção do seu perfil. “Quem dorme mais ao fim-de-semana
é porque anda a dormir menos do que o necessário durante a semana.” É um bom
teste.
Especialista em cronobiologia, ciência que estuda os ritmos
circadiários, Cátia Reis diz que os efeitos de dormir menos de cinco horas por
noite são vários, porque “há hormonas que só são produzidas durante a noite: a
testosterona, a leptina, a hormona da saciedade (e por isso é que existem
tantos casos de obesidade)”, por exemplo. É possível ter uma vida normal
dormindo quatro horas? “Não”, garante. “Existem muito poucas pessoas” que ficam
bem dormindo quatro horas. “No geral, menos do que cinco ou mais do que dez, é
patológico.”
Casos de quem dorme pouco são cada vez mais comuns nos
consultórios. “As pessoas acabam por ter imensas actividades e não desligam.
Algumas vão para o ginásio à noite o que é um problema: é suposto a temperatura
corporal descer à noite.”
MARIANA SOARES
Dormir para quê?
Por que é que precisamos, afinal, de dedicar uma parte tão
grande da nossa vida a dormir? Diogo Pimentel integra uma equipa de
investigadores da Universidade de Oxford, em Inglaterra, que fez um estudo
sobre o sono, e responde ao PÚBLICO: continua a ser “um mistério”. Já os
efeitos negativos da falta de sono estão “bem documentados”.
Explica: a dopamina consegue interromper o sono. Certas
drogas psicoestimulantes (cocaína ou anfetaminas) aumentam os níveis de
dopamina no cérebro, diminuindo a necessidade de dormir. “Parece-me que o
stress, as preocupações, instabilidades, o excesso de trabalho e os prazos
apertados que, muitas vezes, temos de cumprir podem fazer algo semelhante
através do aumento de hormonas ou activando sistemas (dopamina e não só) que
tenham um efeito supressor do sono.”
Cátia Reis trabalha com doentes com “atraso de fase”, os
chamados “mochos”, e que muitas vezes têm privação de sono crónica por causa
dos seus compromissos sociais. É o caso de António (nome fictício), que precisa
de dormir dez horas por dia. “As pessoas não levam a sério a questão do sono”,
queixa-se. Há 15 anos, sentiu problemas e pediu ajuda. Primeiro tentou o apoio
do Serviço Nacional de Saúde, mas quando percebeu que tinha de esperar três
anos para uma consulta foi ao privado. Decidiu também “respeitar” o seu corpo,
ir viver para fora de Lisboa e ter uma vida saudável. Professor universitário,
conseguiu passar a dar aulas apenas no período da tarde, depois de
“negociações” com a direcção.
Já Maria Almeida, 27 anos, trabalha na área de marketing da
Beta-i, uma organização que apoia start-ups. Normalmente, chega por volta das
9h e sai pelas 20h, altura em que quase começa um “outro dia de trabalho” com
os seus três part-time: o cão, o site Startupship e o podcast É Apenas Fumaça.
Dorme mais ou menos cinco horas por noite, porque se desdobra nestas “mil coisas”.
O ritmo intensificou-se nos últimos seis meses, ao fim-de-semana tenta
recuperar, “mas há sempre interrupções”. Como é que esta privação do sono a
afecta? “Sou das pessoas mais maldispostas de manhã”, conta. “Só me apetece
deitar o despertador pela janela.”
Tem noção das implicações do cansaço no seu dia-a-dia.
Entusiasma-se, quer fazer muita coisa ao mesmo tempo. Mas sente que está “a
chegar ao limite”: “Sempre dormi bem e tive a capacidade de desligar. Agora
não. E tenho mais dores de cabeça, mais dores de estômago, deixei de comer
algumas coisas, porque não me caíam bem.” Por isso, está a pensar em diminuir o
volume de trabalho no seu emprego oficial.
Como se altera esta cultura? Com medidas concretas,
respondem os especialistas. Em França instaurou-se recentemente uma norma de
“direito a desligar” — consagrou-se o direito do trabalhador não responder a
emails ou telefonemas depois do horário de expediente (o assunto está em
discussão em Portugal).
“Seria um bom começo”, diz Teresa Paiva. Mudar o início de
horários escolares e de horários de começo de trabalho seria outra boa ideia.
Joaquim Moita, presidente da Associação Portuguesa do Sono, sugere as 9h30 para
o ensino básico e as 9h para as universidades.
Teresa Paiva defende que deveria haver uma discussão pública
sobre as políticas do trabalho, do descanso e do sono. “Se não se fizer nada,
caminhamos para uma sociedade com mais risco de obesidade, depressão, doenças
auto-imunes, cancro.”
A questão é convencer uma sociedade inteira de que o sono é
tão importante quanto o resto. Vamos, pelo menos, dormir sobre o assunto?
Fonte: (JOANA GORJÃO HENRIQUES 20/01/2017 - 08:05)
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