QUAL O VALOR DE UMA VIDA HUMANA?




Elize Matsunaga, 35, foi condenada na madrugada desta segunda-feira (5) a 19 anos, 11 meses e 1 dia de prisão pelo assassinato, esquartejamento e ocultação do cadáver do marido, o empresário Marcos Kitano Matsunaga, em maio de 2012.
Se tivesse acontecido num país de primeiro mundo, ela não teria sofrido os rigores da lei? A justiça brasileira é muito branda com casos hediondos de assassinato?  A vida humana vale muito pouco para a justiça brasileira? veja a reportagem completa e dê sua opinião.
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ADENDO DE 06-12-2016
EDITORIAL DA FOLHA DE SÃO PAULO, MOSTRANDO COMO É INEFICIENTE NOSSO SISTEMA JURÍDICO NO BRASIL. DE LÁ PARA CÁ, COM TANTA CORRUPÇÃO NAS ALTAS ESFERAS DO GOVERNO, A COISA SÓ PIOROU. O PRIMEIRO EDITORIAL É DE 2009.
EM SEGUIDA, OUTRO DE 2013.



Editorial da Folha de hoje (13/12/13):

Meta penal
De pouco adianta a legislação estabelecer penas severas para determinados crimes se, na prática, a punição quase nunca for aplicada.
A célebre lição do criminalista italiano Cesare Beccaria data do século 18, mas resume grave problema que ainda hoje se verifica na Justiça criminal do Brasil.
Na hierarquia do Código Penal brasileiro, a pena mais rigorosa, de 30 anos de cadeia, é com razão reservada aos homicídios -ou seja, nenhum bem jurídico mereceu, por parte do legislador, proteção maior do que a dedicada à vida.
Estima-se, contudo, que menos de 10% dos assassinatos sejam resolvidos e tenham seus autores presos. Nos demais casos, a impunidade apresenta-se em diferentes momentos do caminho que deveria levar à prisão dos culpados.


Afinal, qual é o crime mais grave no Brasil? O editorial acima diz que é o homicídio, mas a questão não é tão fácil quanto parece.

Sim, o homicídio é o primeiro crime que aparece em nosso Código Penal, mas isso não quer dizer que ele é o mais grave. É o primeiro apenas porque o Código tinha que começar a lista de algum lugar e começou com os crimes contra a vida. O Código Penal Militar, por exemplo, começa com o crime de “hostilidade contra país estrangeiro” em tempo de paz, e ninguém diria que esse é o mais grave dos crimes cometidos por um militar. 

Se olharmos em termos de pena, o homicídio doloso (aquele no qual o criminoso quer matar ou assume o risco de fazê-lo) tem uma pena que varia entre 6 e 20 anos.  A mediana entre esses extremos é 13 anos.

Já se olharmos a extorsão mediante sequestro praticada por quadrilha (agora chamada de associação criminosa) ou contra alguém acima de 60 anos ou abaixo de 18 anos, ou que dure mais de 24 horas, por exemplo, a pena varia entre 12 e 20 anos. A mediana entre os extremos possíveis é 16 anos, 23% acima do homicídio doloso.

Mas o homicídio doloso (também chamado simples) não é o homicídio mais grave que temos. Há o homicídio qualificado, cuja pena chega a 30 anos. Logo é o crime mais grave que temos, pois não há pena superior a 30 anos no Brasil, certo?

Errado. Se nos basearmos nas penas possíveis para determinar a gravidade de um delito, o latrocínio, por exemplo, é um crime muito mais grave. Sim, o latrocínio, que embora resulte na morte da vítima, é um crime contra o patrimônio, e não contra a vida. No latrocínio, a vítima é morta antes ou depois do roubo, para facilitar ou garantir o roubo. Mas sua morte é meramente incidental ao objetivo de roubar.

Embora tanto latrocínio quanto homicídio doloso tenham penas máximas de 30 anos, a pena mínima do homicídio doloso são 12 anos, enquanto a do latrocínio são 20 anos. Se os magistrados distribuem penas de forma uniforme, 44% daqueles que cometem homicídio qualificado são condenados com pena menor que a mínima possível para o latrocínio, ou seja, entre 12 e 20 anos.

Algo parecido ocorre com a extorsão mediante sequestro que resulta em lesão corporal grave: a pena varia entre 16 e 24 anos, com uma mediana de 20 anos. E aqui a vítima ‘sequer’ morre. Se ela morrer, a pena sobe para entre 24 e 30 anos, com mediana de 27 anos, o que tornaria o crime muito mais grave que o homicídio e o latrocínio.

Mas há outras formas de analisarmos gravidade de um crime. Por exemplo, sua hediondez.

Crimes hediondos são aqueles especialmente graves. Mas nesse grupo não entram apenas o homicídio qualificado e o latrocínio, mas também outros crimes como estupro, extorsão mediante sequestro, falsificação de produtos medicinais, etc. Sem quem envolvam a morte da vítima. Por outro lado, o homicídio doloso simples não é necessariamente um crime hediondo (apenas quando praticado como atividade típica de grupo de extermínio).

Logo, a hediondez também não determina gravidade.

Há outras maneiras? Sim, por exemplo, poderíamos olhar quais os crimes são imprescritíveis. Afinal, eles são tão graves que o Estado jamais perde a capacidade de punir o criminoso responsável, independente da passagem do tempo.

Nem homicídio qualificado, nem latrocínio, nem estupro de uma criança com resultado morte entram na lista dos crimes imprescritíveis. Mas racismo e crimes contra a ordem constitucional (golpe de Estado, por exemplo) entram, independente da ocorrência de morte.

Poderíamos também olhar a frequência de um crime para determinar sua gravidade. Um crime pequeno cometido milhões de vezes, no somatório ou considerados o número de vítimas diretas, pode representar um problema social muito mais grave do que um delito maior mais que jamais acontece ou com um número isolado de ocorrências. Apenas para usar cores fortes como exemplo, em São Paulo houve 44 mil furtos registrados em setembro, fora os milhões nos quais as vítimas sequer perdem tempo informando às autoridades. Homicídios foram ‘apenas’ 379. Logo, se basearmos no número de pessoas afetadas diretamente, furto é um problema muito mais prevalente do que homicídio. E se isso se equiparar a gravidade, ele é um crime mais grave em termos do número de vítimas diretas. 

Ou em vez de olharmos o número de vítimas diretas ou o somatório dos danos individualizados, poderíamos olhar a tendência. Um tipo de crime que está se tornando menos comum seria, nesse caso, menos grave que um tipo que está se tornando mais comum, porque o primeiro está sendo resolvido e o segundo está piorando.

Sim, sem vida não se pode exercer outros direitos, logo, nosso instinto diz que ceifar a vida de alguém ‘tem de ser’ algo mais grave. Mas há crimes parecidos com o homicídio que ceifam muito mais vida. O infanticídio, por exemplo, cessa uma vida inteira pela frente. E a pena máxima não passa de seis anos. E a pena do aborto, onde a vida sequer começou, não passa de dez anos.

Mas mesmo que considerarmos aborto e infanticídio como variações do homicídio (e, tecnicamente não são), vale lembrar que homicídio não é o único crime que resulta em morte e tampouco é o que tem a maior pena entre os que resultam em morte. Muito menos não é o único com pena de 30 anos. Outros crimes, mesmo sem morte da vítima, podem ter pena mínima muito maior que a do homicídio qualificado. 





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