SUICÍDIOS NO RS BRASIL - INTOXICAÇÃO E DEPRESSÃO
O Instituto Nacional do Câncer e a Fiocruz defendem o fim gradativo dos agrotóxicos e alertam: não existe dose segura para aplicar os pesticidas.
Mas no Brasil o uso só cresce...
Mas no Brasil o uso só cresce...
O crescimento exponencial da terrível doença chamada câncer, em todos os seus modos (câncer do esôfago, câncer de fígado, de pulmões, do sangue, etc, etc, etc) está intrinsecamente ligado ao aumento do uso de venenos (agrotóxicos, pesticidas) na agricultura.
Hoje, não se planta nada sem usar veneno. Desde o solo até as folhas e o fruto ou grão, a aplicação de veneno é constante.
Estamos sendo envenenados em pequenas doses todo o tempo, sempre que nos alimentamos. Até na água que bebemos estamos ingerindo veneno letal.
Chama-nos a atenção uma notícia com relação à plantação de fumo. sabemos que o uso de tabaco mata milhões no mundo todo todos os anos, agora descobrimos que até quem planta esta folha maldita é vítima de suas toxinas.
Leia o artigo abaixo e avalie,
Agrotóxicos, depressão e
dívidas criam ‘bombarelógio’
de suicídios no RS
A família de
agricultores acordou cedo e tomou chimarrão naquela manhã quente de 21de
dezembro de 2013. A mãe fez bolinhos para o lanche e iniciou o preparo da
lentilha para o almoço.
Mas, quando Simone Rovadoski,
de 39 anos, saiu da casa para ajudar o marido José Dell Osbel, de 44 anos, no
cultivo dos 48 mil pés de tabaco da família, encontrou-o morto.
"Não pude evitar
que as crianças vissem. Foi um horror", relembra Simone sobre o suicídio
do marido, em Gramado Xavier, a 156 km de Porto Alegre. "Ajuda a salvar
meu pai, ajuda!", pedia o filho do casal, na época com 13 anos, para
curiosos que se aproximavam.
Osbel passou a integrar
as estatísticas que fazem do Rio Grande do Sul o Estado com mais casos de suicídios
no Brasil: 10 a cada 100 mil habitantes.
A taxa é praticamente o
dobro da brasileira (5,2 por 100 mil em 2012, segundo dados do Ministério da Saúde)
e próxima da taxa mundial (11,4 por 100 mil, segundo a Organização Mundial da
Saúde).
Agrotóxicos e depressão
Gramado Xavier, com
pouco mais de 4 mil habitantes, fica na região central gaúcha, conhecida por
ser um polo fumageiro da indústria do fumo.
A conexão entre suicídio
e plantadores de fumo é apontada em diversos estudos científicos.
Um relatório da Comissão
de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa gaúcha apontava, em 1996, que 80%
dos suicídios da cidade de Venâncio Aires, a maior produtora de tabaco do Estado,
eram cometidos por agricultores. O mesmo estudo mostrava aumento nos suicídios quando
o uso de agrotóxicos era intensificado.
Segundo uma pesquisa da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o uso de agrotóxicos, como os
organofosforados, aumenta as chances de depressão dos agricultores.
Em 2014, 20% de cem
fumicultores entrevistados sofriam de depressão, segundo a UFGRS. O quadro
depressivo por exposição aos venenos, somado a fatores sociais e culturais,
pode evoluir para o suicídio.
A relação é contestada
pelo Sindicato da Indústria do Tabaco local (Sinditabaco), que diz que "atrelar
casos de suicídio ao uso de agrotóxicos na cultura do tabaco é
inconsistente".
O Rio Grande do Sul tem
73.430 famílias (mais de 577 mil pessoas) que colhem 255 mil toneladas de
tabaco anualmente, de acordo com a Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil).
A Afubra alega que as
empresas fumageiras orientam os agricultores quanto à aplicação correta dos
defensivos e o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Segundo o Sinditabaco,
"alguns produtores ainda resistem à utilização correta do EPI".
Mas "o agrotóxico,
para fazer efeito, tem que ser aplicado quando tem sol, naqueles calorões infernais
de novembro. O suor embaça os óculos (do equipamento), a máscara sufoca, falta
ar.
A luva prejudica a
coordenação motora fina", conta Mateus Rossato, de 35 anos, que trabalhou na
lavoura da família dos 12 aos 20 anos, em Nova Palma, a 224 km da capital gaúcha.
Rossato avalia a falta
de ergonomia dos equipamentos de segurança porque hoje entende sobre o corpo
humano: é professor de Educação Física na Universidade Federal do Amazonas.
Para ele, os
equipamentos não são adequados às necessidades reais dos agricultores. E, mesmo
quando são usados, não impedem que o veneno, que é carregado nas costas,
escorra pelo corpo no momento da aplicação.
Doença da folha verde
Os danos à saúde
relatados pelos próprios agricultores, porém, não são somente psíquicos.
Do total de
entrevistados no estudo da UFRGS, 67% apresentaram os sintomas da doença da folha
verde do tabaco (DFVT), causada pela intoxicação por nicotina através do
contato da planta úmida com a pele. Os principais sintomas são vômito, tontura,
dor de cabeça e fraqueza, de acordo com o Ministério da Saúde.
Antes de suicidarse, Osbel
chegou a ser internado para tratar a depressão. Mas antes foi diagnosticado por
diferentes médicos com sinais da doença da folha verde.
"Ele ia para a roça
e logo tinha que procurar atendimento porque desmaiava", relembra Simone.
Ela conta que,
depressivo e intoxicado, Osbel também abusava do álcool.
"Os agricultores
acabam tratando seus problemas com o álcool. É mais um fator de risco", afirma
o médico psiquiatra Rafael Moreno de Araújo, coordenador do Comitê de Prevenção
do Suicídio da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS).
O médico ressalta que o
histórico familiar, influenciado tanto pela herança genética como pela cultura
local, também colabora para o suicídio. Além de tudo, Osbel tinha um avô que
havia se suicidado.
"É uma bombarelógio",
diz o psiquiatra ao enumerar os fatores de risco aos quais os fumicultores estão
expostos: genética, baixa escolaridade, histórico familiar, estilo de vida estressante
e intoxicação.
Dívidas com as
fumageiras
A questão financeira é o
principal gatilho para o estresse entre fumicultores. Eles precisam organizar o
dinheiro que recebem apenas uma vez por ano para sustentar a família pelos 12 meses
seguintes.
Além disso, a maioria
deles tem dívidas com as próprias empresas que compram sua produção. Não é raro
que os processos movidos pelas companhias terminem com a tomada das terras dos
agricultores.
"A perda das terras
é a perda da vida deles", analisa o advogado Mateus Ferrari, que atende diversos
casos de agricultores endividados.
A dívida inicia quando o
agricultor se compromete a entregar sua produção a uma empresa específica. A
empresa fornece sementes, venenos e equipamentos de segurança e muitas vezes
exige a construção de galpões. Mas tudo isso é descontado do valor a ser pago
pela produção.
Quando esta é entregue,
a empresa classifica as folhas através de uma amostra: quanto mais qualidade,
mais será pago. Muitas vezes os agricultores recebem menos do que o planejado e
ainda precisam pagar suas dívidas dos insumos.
"Eles não têm como
argumentar, a maioria tem escolaridade baixa. É o tempo todo sob ameaça: “vamos
cancelar o pedido, colocar teu nome no SPC e acionar a Justiça'", relata
Ferrari.
Sob ameaça de perderem
suas terras e querendo receber os insumos da próxima safra, os agricultores
acabam assinando sua confissão de dívida, não raro com juros sobre juros, sem estarem
completamente cientes das consequências.
"A gente tenta
salvar as terras, mas não há como combater os contratos. Então, tentamos um acordo
para que os agricultores consigam pagar", explica Ferrari.
Depois que o marido se
suicidou, Simone ficou um ano sem plantar porque, endividada, não conseguia
adquirir insumos. Só retomou a lavoura porque fez novos créditos no nome
"limpo"da filha, de 19 anos.
Falta de apoio
Alguns dos processos
contra os agricultores são iniciados pela própria Afubra, em teoria representante
deles. A entidade alega que só entra na Justiça contra os fumicultores
"quando o individual se sobrepõe ao coletivo", mas não especificou os
casos.
A entidade tampouco
respondeu se ajuda os agricultores a entenderem seus contratos ou se atua de
alguma maneira na prevenção de suicídios.
Questionado se auxilia
os agricultores na prevenção do endividamento ou contabiliza o número de casos
na Justiça, o Sinditabaco diz apenas que "trata dos assuntos comuns às
empresas associadas e, portanto, não dispõe desse tipo de informação".
O pai de Júlio Selbach,
de 47 anos, do município de General Câmara, perdeu 22 hectares de suas terras
na Justiça. "A causa está perdida, não conto mais com isso. Continuo
lutando, mas vai ser muito difícil reverter", diz.
Seu pai era seu fiador
de uma dívida de R$ 150 mil que a família considera "inexplicável".
"No final das contas tudo é legal. O orientador técnico da empresa traz um
monte de folhas e manda tu assinar. Eles dizem 'não adianta nem tu ler que tu não
vai entender. Se não quiser assinar, o negócio termina aqui'", relata.
Por causa da dívida e da
perda das terras do pai, Selbach largou a plantação de tabaco e agora produz
leite. Ele conta que histórias como essa muitas vezes acabam em suicídio porque
o "chefe" da família sente culpa por envolver a família em uma situação
de conflito.
O psiquiatra coordenador
da APRS corrobora a tese. "Nessa região o suicídio é um problema que
atinge os homens, que têm essa responsabilidade de ser o provedor da família e
acabam ficando com a culpa pela (má) safra, pela dívida", diz Araújo.
Segundo ele, poucos desses homens procuram ajuda psicológica.
Há também, segundo ele,
negligência no atendimento do sistema de saúde. "Às vezes o paciente chega
(após ter tentado) suicídio, passa por uma lavagem no estômago e é liberado, sem
avaliação psiquiátrica", relata.
Intoxicação infantil
O problema se torna
ainda mais complexo porque a entrada de muitos agricultores na lavoura ocorre
muito cedo. O marido de Simone, que se suicidou em 2013, trabalhou na lavoura
de fumo por 34 anos, desde criança. Rossato, o professor de Educação Física,
também trabalhou na roça quando era pequeno.
Por causa da presença
constante das crianças no campo, casos de intoxicação e alergias são comuns.
O filho mais velho de
Luciana Pereira da Rosa, de 44 anos, de General Câmara, apresentou sinais de
doença da folha verde quando tinha apenas 12 anos. "Ele ia para a roça colher
fumo e vomitava direto", relembra a mãe.
O filho agora tem 28
anos e recentemente abandonou a atividade, junto com os pais.
Todos se mudaram para
Taquari, cidade próxima, por causa da alergia da irmã mais nova, hoje com sete anos.
"A pele ficava vermelha, saía sangue e levantava uma casca. Era horrível",
lembra Luciana.
Os médicos não davam um
diagnóstico preciso sobre a causa, mas Luciana notava que as crises ocorriam
logo depois que a substância glifosato era aplicado nos pés de fumo da família ou
de vizinhos.
Com a mudança de cidade,
a filha não ficou mais doente.
O Ministério Público do
Trabalho do RS não dispõe de estatísticas sobre trabalho infantil nas lavouras.
De acordo com a procuradora Erinéia Thomazini, de Santa Cruz do Sul, na região cfumageira, "em muitos casos a denúncia
de trabalho infantil sequer chega".
Uma pesquisa do IBGE
aponta que 39.659 crianças de 10 a 13 anos trabalhavam no Rio Grande do Sul em
2010.
O Sinditabaco diz
combater a prática, mas agrega que "temos ainda um caminho a percorrer para
a completa erradicação do problema". A entidade aponta a necessidade de
mais escolas rurais para auxiliar na prevenção.
Quem deixa a plantação
de fumo diz que a sensação é de alívio.
Mas notícias sobre suicídios
de vizinhos e conhecidos sempre chegam.
"Lá na minha região
tem uma expressão: 'só se vende corda com receita médica'. Isso porque é alta a
incidência de suicídio dos agricultores.
Você junta a depressão
com a dívida, a frustração de perder uma safra.
É o contexto perfeito
para se suicidar", comenta Rossato sobre os
conterrâneos.
Além disso, o silêncio
dos agricultores sobre o tema agrava o quadro. " O suicídio parece que é tratado
como um tabu, quase proibido ou até vergonhoso de falar. Claro que dói. Mas
preciso falar porque quero que menos gente tire a própria vida, como meu marido
fez", alerta Simone.
Fonte
DIOGO ZANATTA
09/10/2016 Agrotóxicos,
depressão e dívidas criam ‘bombarelógio’
de suicídios no RS BBC
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